Meu amigo Gustavo está na minha lista de seres humanos preferidos. Talvez por compartilharmos algumas paixões: torcemos pro mesmo time, adoramos os Beatles e South Park. Essa tríade de gostos em comum rendeu ótimos momentos de convivência nos últimos anos.
Em outros aspectos somos completamente diferentes: ele odeia Pink Floyd, não gosta de assistir séries, e diz que não consegue se concentrar lendo um livro. Eu não compartilho o seu apreço por comédias, sou incapaz de gostar de reggae e não tenho tantas manias como ele. Ninguém acha que tem tantas manias como os outros.
Manias e rituais são um delicioso capítulo à parte na vida do meu amigo. Pra se ter uma ideia, ele é o tipo de sujeito que é capaz de comer cuidadosamente cada uma das vinte unidades de uma caixa de Bis, separando aquela preciosidade em malditas camadas, enquanto 99% da humanidade enfia tudo na boca ou come seu Bis em duas mordidas fatais. Ele tem tempo pra pequenas manias, vive no presente. Já eu, sinto o tempo se esvaindo a cada minuto, que na ampulheta da minha vida já caiu mais areia do que eu gostaria. Eu também vivo no presente, mas com medo de que o futuro passe rápido demais.
Eu e meu amigo Gustavo somos extremamente competitivos em basicamente qualquer disputa que estejamos envolvidos, seja no videogame, jogos de tabuleiro ou par-ou-ímpar. Alimentamos essa rivalidade com um respeito mútuo, como Lennon & McCartney. Raramente importa quem vence, desde que estejamos nos desafiando.
Este instinto competitivo do meu amigo abre espaço pra situações hilárias. É impossível debater algum tema com essa criatura. Ele sempre arruma algum argumento estapafúrdio pra mostrar que está certo ou justificar porque na sua opinião, comer o bis em camadas é muito mais gostoso. Claro que ele faz isso na brincadeira, gosta de contrariar, de te fazer ver as coisas sob o seu ponto de vista, te trazer pro complexo mundo de manias que ele vive. O Gustavo gosta de encher o saco! E faz isso com todo seu bom humor e carisma.
Quando vejo que meu amigo Gustavo entrou numa de suas infindáveis discussões com algum desavisado que não entende que ele faz isso por esporte, preparo logo uma pipoca e me surge uma incontrolável vontade de me tornar um espectador do embate, mesmo sabendo como acaba. Em geral, a outra pessoa simplesmente desiste. Debater com ele é como lutar contra a inevitabilidade da morte.
Gosto de ver nele essa genuína vontade de mudar a opinião de alguém, ou simplesmente provar um ponto de vista. Ele tem todo tempo do mundo pra discutir, seja lá com quem for, sobre qualquer tema. Meu amigo Gustavo se entrega de corpo e alma numa simples conversa. Sou o oposto nesse sentido, um tanto avesso a discussões e muito mais calado. Tenho preguiça de sair da minha zona de conforto, passo muito tempo no meu mundo sem fazer esforço pra trazer alguém pra dentro dele.
Eu acho que de alguma forma tomamos emprestado de nossos amigos próximos, aspectos e comportamentos que gostaríamos de ter dentro de nós. Como se o nosso ciclo de amizades completasse a nossa própria personalidade.
Por isso, quando ele me diz que ler não é a dele, ou que não gosta de Pink Floyd, eu fico feliz por nossas diferenças, no fundo todo mundo é um pouquinho igual e totalmente diferente de você. Meu amigo Gustavo mesmo sem saber, me ajuda a entender que encher o saco dos outros também é uma forma de se importar e estar presente. Somos iguais, somos diferentes, e precisamos uns dos outros. Espero que todo mundo cruze com seu próprio amigo Gustavo um dia.
1 comentário
Ter um “amigo Gustavo” nesse molde é balde de sanidade em tempos de confronto ideológico!