Quatro e meia da manhã eu desperto, resignado. Acordar de madrugada com a bexiga cheia é quase um fetiche do meu corpo, uma batalha que já começa perdida, é mais ou menos como viver em sociedade. Pra piorar, daqui a pouco vem a vontade de cagar.
Tenho até um ritual, depois de mijar eu acendo um cigarro, faço café, pego um livro e vou pro sofá ler até o sono voltar. Mas ele nunca volta antes do meu estômago reclamar.
Resolvo dar uma olhada no meu telefone de última geração que eu só uso pra tirar foto do cachorro e ler notícias. URGENTE. A notificação chama atenção por parecer mais uma notícia sensacionalista. URGENTE: Meteoro atingirá a Terra às 6 da manhã desta sexta-feira. Porra, que meteoro pontual, seis da manhã? Parece operação da Polícia Federal.
Será que se eu olhar pro céu dá pra ver alguma coisa? Ah, depois eu vejo, tô com preguiça agora. Finalmente consigo ler a notícia e percebo que a coisa tá feia, mas preciso conferir antes se não é fake news. Ligo a TV, e o plantão da Globo confirma que eu e a humanidade temos uma hora e alguns minutos de vida, depois não vai sobrar nada. Fudeu!
Na tela da tv vejo uma câmera ligada num cenário vazio, exibindo um cronômetro em contagem regressiva e uma manchete solitária: “O CAOS COMEÇOU: o mundo vai acabar às 6 da manhã”. Me revolto! O caos começou há alguns milênios, pessoal.
Será que eu ligo pra alguém? Melhor não, as pessoas já passam a vida inteira se cobrando pelo que não fizeram. Em 60 minutos vão fazer o quê? Correr pra postar no Twitter se “Não Olhe Pra Cima” (2021) é bom ou ruim? Quem se importa? Eu também não quero encher o saco de ninguém por pouca coisa. Sou do tipo que mente na terapia pra não deixar a pessoa preocupada. Todo mundo já nasce preparado pra morrer, querendo ou não. Tem como fugir? Não tem!
Acho que vou abrir as redes sociais e ver umas dancinhas. Evito fazer barulho. Minha mulher trabalhou até tarde a semana inteira e merece descansar. Considero poucas coisas sagradas nessa vida, o sono é uma delas. Ela trabalhou muito pra gente poder viajar, pena que não rolou porque ela teve que trabalhar.
Lembrei do nosso primeiro encontro. Levei comigo a bagagem de todos os meus traumas e ela os dela, assim como todo mundo sempre faz. Provavelmente passaríamos nossos últimos momentos abraçados, cada um olhando pra tela do celular.
A grande ideia pra escrever meu livro nunca veio, menos mal, não perdi meu tempo escrevendo alguma baboseira achando que o eu penso é relevante pros outros. O que eu tenho pra dizer na verdade não é tão importante assim, nem eu sei o que dizer. Na verdade, as pessoas estão tão ocupadas o tempo todo com elas mesmas, que pouca coisa desperta interesse dessa grande massa de zumbis tecnológicos. A não ser que seja fofoca sobre uma celebridade, aí todo mundo se importa.
Bom, faltam só mais alguns minutos. E aí? O que fazer? Deixar um adeus nos stories pros meus 674 amigos? Ou só para os mais próximos? Escrever uma crítica social rasa? No fim você é tudo o que você tem, além das frases clichês que conseguir decorar.
Jogo o celular pela janela e abro um livro, o último livro do mundo. Minha vingança contra a sociedade é não permitir que ninguém me acesse. Droga, minha barriga tá doendo, não acredito que vou passar os últimos minutos de vida no banheiro.